O uso de materiais provenientes de demolições em novas construções tem ganhado cada vez mais espaço no cenário da construção civil, tanto pelo viés econômico quanto pela busca por soluções mais sustentáveis. Reaproveitar elementos como madeira, tijolos, telhas, estruturas metálicas e outros materiais não apenas reduz a geração de resíduos, mas também economiza recursos naturais que seriam extraídos para a produção de novos insumos. No entanto, o uso desses materiais em partes estruturais e de fechamento exige atenção redobrada, especialmente no que diz respeito à segurança, à durabilidade e à integridade molecular.
Quando materiais de demolição são reutilizados sem a devida proteção ou tratamento, surgem riscos significativos relacionados às propriedades físicas e químicas desses elementos. Por exemplo, a madeira reaproveitada, que muitas vezes é um material altamente desejado devido à sua estética e ao seu apelo rústico, pode ter sido exposta a umidade excessiva, infestações de cupins ou apodrecimento. Essas condições podem comprometer a estrutura interna da madeira, resultando em perda de resistência mecânica e aumento da vulnerabilidade ao fogo.
Os tijolos reaproveitados também apresentam desafios semelhantes. Apesar de muitas vezes manterem sua aparência externa, esses elementos podem ter microfissuras ou alterações moleculares devido ao calor extremo de incêndios ou exposição a produtos químicos durante o uso anterior. Isso pode afetar sua capacidade de resistir a compressão, tornando-os inadequados para funções estruturais em certas aplicações. Já os materiais metálicos, como vigas de aço, podem apresentar corrosão superficial ou interna que, se não tratada, reduz significativamente sua resistência e durabilidade.
No nível molecular, a degradação desses materiais está intimamente relacionada a fatores ambientais e de uso. Por exemplo, a água é um dos principais agentes de deterioração em materiais porósos, como a madeira e os tijolos. Quando absorvem água, esses materiais podem sofrer expansão e contração repetidas, levando a fissuras internas e eventual perda de coesão. No caso do aço, a umidade em combinação com oxigênio leva à formação de óxidos, que gradualmente comprometem a resistência do metal. Por isso, a falta de tratamento adequado antes do reaproveitamento pode resultar em falhas graves ao longo do tempo, especialmente quando esses materiais são usados em elementos estruturais, como pilares, vigas ou lajes.
Mitigar esses problemas exige uma abordagem sistemática e criteriosa. Primeiramente, é essencial realizar uma inspeção minuciosa dos materiais antes de reutilizá-los. Isso inclui ensaios laboratoriais para avaliar as propriedades mecânicas e químicas. No caso da madeira, por exemplo, é importante verificar se há presença de fungos ou insetos, e aplicar tratamentos adequados, como imunização contra cupins e produtos antifúngicos. Alem disso, revestimentos protetores, como vernizes ou resinas impermeáveis, podem ser aplicados para aumentar a vida útil do material.
Para tijolos e telhas, a limpeza cuidadosa é essencial para remover restos de argamassa ou concreto aderido, além da avaliação de fissuras ou desgastes superficiais. Em alguns casos, pode ser necessário um reforço com argamassas especiais ou a seleção dos melhores exemplares para funções mais exigentes, reservando os tijolos menos resistentes para aplicações secundárias, como alvenarias de vedção.
O aço, por sua vez, deve passar por um processo de decapagem para remover ferrugem e outros contaminantes. Posteriormente, a aplicação de primers anticorrosivos e tintas específicas para proteção contra agentes atmosféricos é crucial. Ensaios de ultrassom ou radiografia podem ser usados para detectar trincas ou defeitos internos que comprometam a integridade do material.
Outro aspecto relevante é o projeto estrutural. Quando materiais de demolição são utilizados, os engenheiros devem levar em conta as propriedades modificadas desses materiais, ajustando o dimensionamento e reforçando pontos críticos da estrutura. No caso de madeira reutilizada, por exemplo, pode ser necessário adicionar reforços metálicos para garantir que o material possa suportar as cargas previstas. Os tijolos podem ser usados em associação com grautes ou argamassas de alta resistência para melhorar o desempenho geral da parede.
Ademais, a proteção contra umidade e intempéries é essencial para garantir a durabilidade a longo prazo. Isso pode incluir a instalação de barreiras de vapor, sistemas de drenagem adequados e o uso de revestimentos impermeáveis em superfícies externas. Essas medidas não apenas prolongam a vida útil dos materiais, mas também reduzem os custos de manutenção ao longo do tempo.
Vale mencionar que o reaproveitamento de materiais de demolição também está regulamentado por normas técnicas no Brasil, como a NBR 15114, que trata do uso de resíduos sólidos da construção civil. Seguir essas diretrizes é fundamental para garantir a segurança e a qualidade das obras. Além disso, a literatura especializada, como os estudos de Helene e Andrade (2008) sobre durabilidade do concreto e materiais compósitos, oferecem referências valiosas sobre como avaliar e melhorar o desempenho de materiais reaproveitados.
Por fim, o uso consciente de materiais de demolição requer um compromisso coletivo entre engenheiros, arquitetos, construtores e proprietários. Esse tipo de prática não apenas contribui para uma construção mais sustentável, mas também promove a inovação e a criatividade na utilização de recursos existentes. Com os cuidados adequados e o respeito às normas técnicas, é possível transformar resíduos em oportunidades, criando estruturas seguras, duráveis e ecologicamente responsáveis.
Bibliografia:
Helene, P. R. L., & Andrade, T. M. (2008). Durabilidade do Concreto: Teoria e Prática. São Paulo: Pini.
Associação Brasileira de Normas Técnicas. (2004). NBR 15114: Resíduos Sólidos da Construção Civil – Diretrizes para o Gerenciamento. Rio de Janeiro: ABNT.
John, V. M., & Agopyan, V. (2000). Sustentabilidade na Construção Civil. São Paulo: EPUSP.
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